terça-feira, 5 de outubro de 2010

Fernando Carneiro expõe projetos para a cultura

A criação do Fórum Estadual de Cultura é prioridade para Fernando Carneiro, candidato do PSOL ao Governo do Estado. O fórum funcionaria como um espaço para o diálogo com os artistas, garantido a participação da classe na formulação da política cultural do Pará. Para o candidato, os mecanismos de isenção fiscal, como a Lei Semear, demonstram a incapacidade do Estado de investir em cultura. Ele avalia como necessária uma reforma na lei, aos moldes do que está sendo encaminhado pelo Governo Federal com a Lei Rouanet. Fernando também tem ressalvas quanto ao Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) das Cidades Históricas. “A velocidade que a gente tem na Amazônia é diferente da de outras regiões. Então é preciso analisar com muito cuidado esses programas generalizantes que tendem a tratar o Brasil como uma coisa só”.

Acompanhe a seguir a entrevista com o candidato, que integra a série realizada pelo Caderno Você sobre política cultural com os candidatos ao Governo do Estado.

P: Que problemas você identifica na área da cultura do Estado e como os enfrentaria?

R: Primeiro é importante falar qual a concepção que a gente tem sobre cultura. A cultura é indispensável para assegurar, garantir e valorizar a identidade de um povo. E essa definição é necessária pra que a gente tenha políticas culturais adequadas. Hoje, como tudo na sociedade em que a gente vive, a cultura tem sido mercantilizada. É possível superar isso. Partindo desse pressuposto, precisamos romper algumas lógicas. Um grande problema clássico no setor é o orçamento destinado à cultura, que hoje beira 1%. Um outro problema é a falta de uma política séria de valorização da produção e difusão das categorias artísticas no Estado. Os governos do PSDB e o atual governo do PT investiram/investem mais nos grandes eventos elitistas e internacionais, ou eventos de massa, pasteurizando o processo criativo na cultura local. Como não há uma rede entre as secretarias que formule e acompanhe esse processo nos municípios, acaba ficando o evento pelo evento. Precisamos inverter esta lógica, precisamos de formação de público. E o mais grave dos governos passados foi e ainda é a total ausência de um canal de diálogo e participação do movimento artístico na deliberação das políticas culturais no Estado. Portanto, vamos ampliar o orçamento na cultura, fortalecer mais as categorias artísticas nos seus movimentos, produções e difusão das suas obras. Vamos implantar fóruns permanentes de discussão das categorias, e a Secult será  responsável por garantir este espaço, bem como garantir um processo de avaliação permanente.

Vamos garantir uma política cultural de governo, implantando uma gestão de políticas intersetoriais, efetivando uma rede das instituições do governo, como cultura, esporte, turismo, educação e outras áreas afins.

P: Qual sua principal proposta para a cultura?

R: Criar o Fórum Estadual de Cultura, que será permanente, e aumentar o orçamento das políticas de cultura efetivando o custo amazônico. Diferente dos governos anteriores, que defendem um projeto elitista para a cultura e que não criaram espaços para o diálogo com a categoria, vamos garantir a participação da classe artística nas formulações da política cultural do Estado. O fórum é uma prioridade. Vamos priorizar também uma política de editais séria e transparente, que vai contemplar os segmentos de forma igualitária nos recursos disponíveis, inclusive garantindo o aumento dos recursos para que os grupos contemplados possam fazer a difusão e circulação de forma que todas as regiões do Estado tomem posse do que está sendo produzido, tanto da capital para os outros municípios, como dos municípios para a capital, dialogando com o que o movimento já reivindica há muitos anos: o custo amazônico, que nada mais é do que a reparação desses recursos para que o segmento artístico possa circular com suas produções pela região amazônica.

P: Como ficará a Lei Semear, principal lei de incentivo à cultura via mecanismos de isenção fiscal? A política de incentivo irá acompanhar a reforma da Lei Rouanet?

R: Uma das alternativas que surgem para a falta de verbas é justamente a renúncia fiscal. Grandes empresas, grandes bancos têm uma renúncia fiscal, uma isenção, e usam esse dinheiro para financiar atividades culturais. Isso é, em certa medida, o reconhecimento do Estado da sua incapacidade de investir em cultura e, na continuidade, isso significa uma certa privatização. Contudo, é possível quebrar essa lógica. Podem existir manifestações culturais patrocinadas pelo Estado, mas desde que haja um incremento de verbas. Assim, vamos rever o Conselho Avaliador da Lei Semear. Vamos também garantir uma equipe técnica na Secult que vai  preparar a qualificação e formação dos produtores culturais para ampliar o conhecimento sobre a política de financiamento e a elaboração de projetos para leis de incentivo.

Para tentar resolver os problemas apontados pelos especialistas em relação à Lei Rouanet, o PL 6722/10 busca aumentar o investimento privado na cultura, por meio do fortalecimento dos Fundos de Investimento Culturais (Ficarts). A nossa proposta, diferente dos governos tucano e petista, que nunca enfrentaram este problema, é realizar um grande debate com a categoria e empresários e poder ter um equilíbrio no retorno dessa produção cultural para o povo brasileiro e, no caso, para a população do Pará.

P: Como você avalia a proposta do Governo Federal de criação do Sistema Nacional de Cultura, a regulamentação do Plano Nacional de Cultura e a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que determina um percentual mínimo dos orçamentos nacional, estaduais e municipais a ser investido em cultura?

R: A criação de um Sistema Nacional de Cultura já era uma demanda antiga do segmento artístico. Avalio que, se a proposta respeitar na integrar as demandas apresentadas pelo segmento na Conferência de Cultura, será um avanço para o setor. Em nosso governo, iremos estabelecer uma política séria e vamos garantir mecanismos de participação dos segmentos culturais, pois é importante lembrar e informar que os Conselhos Municipal e Estadual serão fortalecidos para que possam realmente ser os mediadores entre o poder público e as categorias. Defendemos a aprovação da PEC como um avanço para o setor, pois a exemplo da educação e saúde, que já garantiram em suas áreas o percentual de investimento do orçamento do Estado para suas políticas (resultante das lutas históricas destes segmentos), será uma vitória para o segmento da cultura.

P: Como será a relação com a iniciativa privada no trato da gestão cultural?

R: Bom como falei anteriormente, nesta relação é preciso deixar bem claro que em nosso governo não iremos governar para os ricos, contudo saberemos dialogar como todos os setores como muito bem fizemos no governo do ex-prefeito de Belém Edmilson Rodrigues. Partiremos da perspectiva que temos sobre cultura. E essa definição é necessária para que a gente tenha políticas culturais adequadas. Portanto, esse será o nosso ponto de partida para dialogar com a iniciativa privada, deixando claro que estamos governando com o povo e para o povo.

P: Está sendo pensado dentre suas propostas um plano de descentralização na área da cultura?

R: Sim, e este plano será resultado da participação de todos  os segmentos da cultura em nosso Fórum Estadual de Cultura. Portanto, como falei anteriormente, precisamos romper a lógica de descentralizar somente os eventos - ficando no evento pelo evento. É preciso criar uma política séria de difusão e circulação dessa produção cultural, realizar momentos de formação de público. Tudo isso articulado à garantia do que o movimento já reivindica há muitos anos, o custo amazônico, a reparação desses recursos para que o segmento artístico possa ir e vir com suas produções pela região.

P: Como será tratada a cultura jovem?

R: A cultura jovem será tratada como prioridade, pois sabemos que hoje o grande problema do crescente envolvimento dos jovens na criminalidade, não está somente na falta de segurança, mas prioritariamente no total abandono, pelos governos anteriores, dos projetos sociais para os jovens. Vamos criar canais de participação da juventude em nosso governo, a exemplo do que fizemos com o Congresso da Juventude durante o Governo do Povo, na prefeitura de Belém. Vamos implantar, após debate com este segmento, o  Festival de Cultura de Rua. Vamos garantir a ampliação da Escola Técnica Estadual de Artes, levando teatro, dança, música e circo aos pólos do Estado, garantindo para os jovens artistas de nossos municípios a oportunidade de qualificação de seu trabalho artístico, como cenário, maquiagem, figurino, montagem, roteiro, etc. A cultura jovem terá uma política de governo com ações intersetorializadas, articulando as diferentes secretarias, como  Seel, Seduc, Sesma, Secult e Sejudh, entre outras, proporcionando uma verdadeira revolução na cultura e identidade jovem do Pará.

P: Há alguma política de fomento voltada para a periferia?

R: Neste campo vamos atuar junto com as políticas para a juventude, e tendo uma ação articulada com a Seduc e Seel para inicialmente ter, nas escolas estaduais, nossos pólos de cultura nos bairros e municípios. Garantiremos assim à população historicamente excluída o acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade, a uma política cultural que valorize a produção local e o intercâmbio com o global.

P: A exemplo da Feira do Livro e do Festival de Ópera, quais grandes eventos para a área da cultura seu programa pretende investir ou criar?

R: Ao contrário dos governos anteriores, como PSDB e PT, que investiram somente em programações culturais elitistas, transformando nossos símbolos culturais em mera mercadoria para turistas, vamos editar a primeira Bienal Cultural do Estado do Pará, construída com a participação dos artistas, e que irá atender diferentes linguagens artísticas e manifestações populares de todas as regiões do Estado, em um momento de fomento e difusão da cultura do Pará.

P: Como será executada a manutenção e gestão dos espaços culturais? Existe uma estratégia que seja eficiente, aberta e democrática para não haver cerceamento aos diversos movimentos culturais?

R: Primeiramente vamos recuperar esses espaços, pois é uma obrigação do governo do Estado. Tivemos recentemente um problema grave no Theatro da Paz, que passou por um processo de restauração e acabou tendo problemas em relação à manutenção dessa restauração. Vamos criar um seminário de formação dos segmentos artísticos para utilização e gestão popular destes espaços. Você só cuida e ama se você conhece e gosta. Para atender a demanda dos diferentes segmentos culturais, vamos construir nas regiões-pólo espaços culturais públicos mantidos pelo Estado. E vamos também efetivar uma gestão compartilhada destes espaços junto com os segmentos, sem diferenças de setores e privilégios de linguagens, respeitando suas diferenças, é claro.

P: Qual será o orçamento disponibilizado por sua gestão para a área cultural?

R: Vamos trabalhar para atingir nos quatros anos de governo o total de 2% do orçamento do Estado para a cultura.

P: Como serão geridas as instituições especializadas na área da cultura, como IAP, Curro Velho, Casa da Linguagem e Fundação Cultural Tancredo Neves? Como desenvolver um trabalho integrado entre estas instituições?

R: A falta de uma política pública dos governos anteriores para a cultura acabou gerando problemas, com sombreamentos e total inoperância de alguns órgãos do setor. Muitos estão parados pela falta de orçamento, e isso é um absurdo. Vamos ter uma gestão integrada destes órgãos, potencializando o orçamento no setor e as políticas oferecidas. As secretarias ou fundações parecem ilhas isoladas, não dialogam entre si. Não existe uma política de cultura, mas várias micropolíticas. Nosso programa de governo prevê a criação de um Sistema Estadual de Cultura, composto por esses órgãos, Secretarias Municipais de Cultura e o efetivo funcionamento do Conselho Estadual de Cultura, ampliando com a Seduc, Seel, Sejudh e Paratur. É uma proposta que vai articular a cultura do Pará como um todo.

P: Como será tratada a questão do Patrimônio Histórico no Estado? Quais são suas políticas para o setor? Quais serão os impactos do Plano de Aceleração de Crescimento das Cidades Históricas?

R: Nossa concepção de cultura apresentada já deixa claro como o patrimônio histórico no Estado vai ser tratado: como prioridade. Vamos implantar um Plano de Manutenção e Preservação do Patrimônio Histórico Material e Imaterial do Estado. Quanto ao Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) das cidades históricas, o que vemos mais uma vez é essa concepção de que a gente precisa acelerar o crescimento. A sociedade capitalista impõe um padrão de aceleração que hegemoniza criação, necessidades e desejos, mas nós defendemos outra lógica. É preciso entender que temos singularidades e particularidades, tempos diferentes de sentir, desejar, criar, interpretar. A “velocidade” que a gente tem na Amazônia é diferente da de outras regiões. A vida tem outro ritmo aqui. Então é preciso analisar com muito cuidado esses programas generalizantes que tendem a tratar o Brasil como uma coisa só, e que não respeitam as diversidades, as velocidades, os ritmos e as diferentes culturas de cada região. 

(Diário do Pará)

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